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SIEASC pleiteia alteração que visam a continuidade das atividades no município de Araquari – SC

No dia 23 de maio de 2019 o SIEASC participou da audiência pública com a Amunesc – Associação dos Municípios do Nordeste de Santa Catarina, referente ao plano diretor de Araquari. Dentre as mudanças pleiteadas encontram-se a inclusão da mineração no Macrozoneamento, a inclusão da utilização das áreas de atividade de mineração para os portos de areia e atividades de apoio a mineração sendo excluídas apenas a mineração das áreas nas ZIT, pedido de exclusão ou de alteração da ZRIEA – área aeroportuária, entre outros.

Como exemplo apresentamos abaixo dois itens, dentre os vários que foram propostos:

  1. INDM – MINERAÇÃO
    Atividades e indústrias cujo objetivo é a lavra, a extração, classificação, beneficiamento, acondicionamento, comercialização de todos os bens minerais e atividades de apoio à mineração como a construção, a manutenção de embarcações e equipamentos, incluindo
    áreas de acesso como trapiches e rampas.
    Exemplo: Extração de areia, cascalho, pedras, britadores e assemelhados; Serviços de mineração, utilização de minerais; Carvoeiras; Industrias de manipulação de carvão, grafite ou similar.
  2. Pedido de exclusão da ZRUS Que a área que corresponde a ZRIA seja incluída na ZRUS.

Abaixo apenas para conhecimento segue argumento técnico e jurídico para o pedido de alteração referente ao ZRIA (áreas indígenas.

Justificativa:

Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente ‘reconhecidos’, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. 

Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de ‘originários’, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como ‘nulos e extintos’ (§ 6º do art. 231 da CF). 

Clara a interpretação do art. 231, § 6º, da Constituição Federal, segundo a qual “o direito por continuidade histórica prevalece (…) até mesmo sobre o direito adquirido por título cartorário ou concessão estatal”. Esse conceito é hoje corrente, até porque derivado de modo expresso do texto constitucional. 

Entendo, assim, que a demarcação de terras indígenas é matéria propícia a debates fervorosos e palco de interesses antagônicos. Convém, todavia, ressaltar que a Constituição Federal de 1988 reconhece, expressamente, o direito originário das comunidades indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas, conceituando-as como aquelas ‘que se destinam a sua posse permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos naturais necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo usos, costumes e tradições’ [CF, art. 231, § 1º].

Assim, ao criar espécie de posse normativa em favor dos povos indígenas, não erige como pressuposto a exatidão dos registros de ocupação anterior.

Outra consequência a ser assinalada, também oriunda do texto constitucional, é a impossibilidade de se consolidarem quaisquer direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas por índios. 

Estas devem ser objeto de mera declaração do poder público, dando notícia de seu caráter originário. Não prevalecem, em tais circunstâncias, títulos dominiais concedidos pelos estados, nulos de pleno direito face ao reconhecimento da ocupação tradicional

A demarcação das terras indígenas é de responsabilidade da União Federal (Constituição Federal – CF Art. 231). Por se tratar de direito originário, a demarcação é um procedimento administrativo, regulado por um decreto, criado especificamente para essa finalidade. No presente, as demarcações seguem o estabelecido no Decreto MJ Nº 1775/1996. Após a realização do estudo técnico é produzido um relatório circunstanciado de acordo com a Portaria MJ nº 14/1996. 

O Decreto MJ nº 1.775/96 estabelece oito etapas, desde a identificação até o registro definitivo: 

1 – Identificação e delimitação – O Presidente da Funai estabelece uma Portaria designando um Grupo Técnico, coordenado por um/a antropólogo/a, o/a qual elabora um relatório circunstanciado, contendo os elementos antropológicos que fundamentam o direito indígena sobre a referida Terra;

2 – Publicação – Um resumo do relatório circunstanciado e o mapa com a delimitação (memorial descritivo) é publicado no Diário Oficial da União, Diário Oficial do Estado e uma cópia do mesmo é encaminhada à/s prefeitura/s onde se localiza a Terra Indígena;

3 – Contraditório – Também conhecido como contestação ao relatório. Todos os que se sentirem atingidos pela referida demarcação podem manifestar-se junto à Funai, para denunciar vícios e/ou para demandar indenizações;

4 – Análise das contestações – A Funai faz uma análise das contestações e encaminha ou autos para decisão do Ministro da Justiça;

5 – Declaração de ocupação – Etapa em que o Ministro da Justiça, após a análise do relatório e das contestações, declara os limites da TI, mediante publicação de Portaria no Diário Oficial da União;

6 – Demarcação física – Ocorre após a publicação da Portaria Declaratória, consiste na colocação dos marcos nos limites e indenização aos ocupantes não indígenas quando houver;

7 – Homologação – Ato de reconhecimento da TI pelo Presidente da República;

8 – Registro – Por se tratar de bem da União, a TI é registrada na Secretaria de Patrimônio da União – SPU e no Cartório de Registro de Imóveis – CRI.                                                                               

São consideradas Terras Indígenas sem providência, os casos em que não se iniciaram os estudos de regularização. 

As Terras identificadas a partir do procedimento administrativo acima especificado (Decreto MJ n. 1.775/96) são as terras tradicionalmente ocupadas, reguladas pelo Artigo 231 da Constituição Federal. Observa Guimarães que as Terras Indígenas não podem ser confundidas com as áreas reservadas, previstas no Estatuto do Índio, ou seja, nesse caso, são áreas destinadas pela União para a posse e ocupação indígena, “onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais dos bens nelas existentes, respeitando as restrições legais” (GUIMARÃES, 1999, p. 544).        

As reservas podem ser subdivididas em quatro modalidades:                                            

Art. 27. Reserva indígena é uma área destinada a servir de habitat a grupo indígena, com os meios suficientes à sua subsistência.           

Art. 28. Parque indígena é a área contida em terra na posse de índios, cujo grau de integração permita assistência econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em que se preservem as reservas de flora e fauna e as belezas naturais da região.                                                 

Art. 29. Colônia agrícola indígena é a área destinada à exploração agropecuária, administrada pelo órgão de assistência ao índio, onde convivam tribos aculturadas e membros da comunidade nacional.       

Art. 30. Território federal indígena é a unidade administrativa subordinada à União, instituída em região na qual pelo menos um terço da população seja formado por índios. (LEI 6001/73) (grifo nosso).      

A concepção de terra, definida pela Lei 6001/73, – Reserva Indígena – prevê em seu conjunto a via camponesa como modo de ‘incorporar o indígena à comunhão nacional’, conforme observou Oliveira (1998, p.19), porém, as Reservas Indígenas somente poderão ocorrer em locais que comprovadamente não se tratam de terra tradicionalmente ocupada. As garantias legais para as reservas são limitadas e sua existência e tamanho decorrem da deliberação do poder público.                                                                                    

Terras Indígenas constituem-se como bens da União (CF. Inciso XI do Art. 20),4 são inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis (CF. § 4 do Art.231). Já as Reservas Indígenas, previstas no Estatuto do Índio, configuram também no rol dos bens da União, são inalienáveis e indisponíveis, porém, não são imprescritíveis, podendo a União dispor das mesmas, caso cesse a ocupação indígena. No caso de Reservas criadas pelas Unidades da Federação ficam sujeitas às leis específicas do respectivo estado.                           

No caso do município de Araquari está delimitado pelas Portarias MJ 2747/09, MJ953/10 e MJ2907/09.                                                                                                                            

Ainda, considerando as duas ações judiciais mencionadas no Ofício ASPI-11/2018 se tem:                                                                                                                                     

01 – Autos n.º 2009.72.01.005799-5 (SC) / 0005799-88.2009.4.04.7201 que tinha por objetivo anular as Portaria 2813/09; 2907/09 E 2747/09 no intuito de criar a reserva indígena do PIRAÍ, TARUMÃ, MORRO ALTO E PINDOTY. Tem por último andamento: 16/02/2017 17:33 Baixa Definitiva – processo digitalizado.                          

02 – Autos n.º nº 2002.702.01.002869-1 – Da coisa julgada dos autos.                             

Neste feito foi prolatada sentença, condenando as rés União e FUNAI aos seguintes provimentos (fls. 357/366):                                                                                                

  1. a) Condenar as rés, solidariamente, dentro de suas respectivas atribuições, em obrigação de fazer, consistente em identificar e demarcar todas as terras indígenas dos índios Guarani situadas nos municípios pertencentes à jurisdição desta Subseção Judiciária, nos termos do Decreto n.º 1.775/96, e no prazo ora estabelecido de 24 (vinte e quatro) meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão (considerando a decisão proferida pela TRF-4ª Região no Agravo de Instrumento n.º 2002.04.01.048848-8/SC). Deverão as rés, no curso do procedimento de identificação e demarcação apresentar relatórios semestrais a este Juízo. Em caso de descumprimento desta decisão, fixo a multa diária em R$ 2.000,00 (dois mil reais) a ser revertida para as comunidades indígenas dos índios Guarani desta região.                                               
  2. b) Condenar as rés, solidariamente, dentro de suas respectivas atribuições, na eventualidade da FUNAI concluir pela inexistência de tradicionalidade das terras, ou alguma(s) delas atualmente ocupadas pelas comunidades de índios Guarani nesta região, em obrigação de fazer, consistente em criar reserva(s) indígena(s), na forma dos artigos 26 e 27 da Lei nº 6.001/73, no prazo igualmente estabelecido de 24 (vinte e quatro) meses, a contar do trânsito em julgado desta decisão (considerando a decisão proferida pela TRF-4ª Região no Agravo de Instrumento n.º 2002.04.01.048848-8/SC), a fim de regularizar as terras atualmente habitadas pelos indígenas Guarani nos municípios pertencentes à jurisdição desta Subseção Judiciária, dando-lhes assim condições de sobrevivência e manutenção de sua cultura, conforme princípios e normas constitucionais e legais de proteção aos índios.

Deverão as rés, se for o caso, no curso do procedimento apresentar relatórios semestrais a este Juízo. Em caso de descumprimento desta decisão, fixo a multa diária em R$ 2.000,00 (dois mil reais) a ser revertida para as comunidades indígenas dos índios Guarani desta região.                                                                                                                     

Assim, deveriam as rés UNIÃO e FUNAI identificar e demarcar todas as terras indígenas dos índios Guarani situadas nos municípios pertencentes à jurisdição desta Subseção Judiciária (item a) e, concluindo, eventualmente, pela inexistência de tradicionalidade, criar as reservas indígenas na forma dos arts. 26 e 27 da Lei 6.001/73 (eleição) (item b).

O que na realidade a ACP assegurou foi um prazo para a conclusão dos trabalhos de demarcação que deveriam, por lógico, seguir todo trâmite legal, inclusive em relação à análise fática dos elementos determinantes na caracterização de eventual tradicionalidade da ocupação.                                                                                                                                

Disso não resulta, por evidente, que os proprietários e demais interessados nas referidas áreas não possam questionar o procedimento administrativo de demarcação das terras.           

03 – Autos n.º 5010204-72.2015.4.04.7201/SC:                                                                

Trata-se de ação proposta segundo o rito ordinário por Associação dos Proprietários, Possuidores e Interessados em Imóveis nos Municípios de Araquari e da Região Norte/Nordeste de Santa Catarina, Pretendidos para Assentamento Indígena – ASPI em face da União e da Fundação Nacional do Índio – FUNAI visando a que sejam anuladas as Portarias MJ n.ºs 2813/2009, 2907/2009 e 2747/2009, assim como todos os atos administrativos destinados à criação das terras indígenas Piraí, Tarumã, Morro Alto e Pindoty. Sucessivamente, pediram que seja “garantido aos associados direito pleno a indenização justa não apenas pelas benfeitorias mas também pela terra“.                       

Referido processo já está sentenciado em primeiro grau, tendo a sentença o seguinte dispositivo:                                                                                                                         

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para invalidar as Portarias MJ n.ºs 2747/2009, 2813/2009, 2907/2009 e 953/2010, assim como todos os atos delas decorrentes. ”                                                                                                                     

Referida sentença restou suspensa, nos autos de Suspensão Liminar n.º 5048181-36.2016.4.04.0000.                                                                                                              

Posteriormente, no dia 30/05/2017, a 3ª Turma deste TRF da 4ª Região, por unanimidade, negou provimento as Apelações da Funai, Ministério Público e União Federal, sendo assim ementada a decisão:                                                                                                 

AÇÃO ANULATÓRIA. PROCESSO DE DEMARCAÇÃO INDÍGENA – PIRAÍ, TARUMÃ, MORRO ALTO E PINDOTY. PORTARIAS MJ 2907/2009, 2813/2009, 2747/2009 E 953/2010.  DECRETO 1775/96. CONSTITUCIONALIDADE. POSSE TRADICIONAL INDÍGENA. INEXISTÊNCIA. PERÍCIA ANTROPOLÓGICA. APELOS DESPROVIDOS.                                                                                                 

  1. Inexistência de qualquer indício de que as áreas de terras em questão estariam sendo ocupadas por indígenas à época da promulgação da Emenda Constitucional nº 1/69 a justificar o exame do feito à luz daquele regime pretérito, razão pela qual se aplica o regime constitucional atual, inaugurado pela CF/88.            
  2. Proporcionada pelo juízo singular vasta investigação probatória, destacando-se a conclusão de que ‘anotou e percebeu que a única, repito, única fonte fática utilizada pela FUNAI durante os trabalhos de levantamento fundiário, foi o relato dos próprios indígenas interessados’.            
  3. Hipótese em que não restou configurada a tradicionalidade da ocupação, razão pela qual não há como aplicar o artigo 231 da CF/88 para o efeito de demarcar as terras, ocupadas por breve período e pela benevolência de terceiros.
  4. Conquanto louváveis as políticas públicas para a demarcação de terras indígenas com o objetivo de regularizar a premente situação de inúmeras tribos em todo o país, dado o caráter histórico e social das relevantes questões envolvidas nesse tema, em muitos casos, em que não se configuram os requisitos constitucionais necessários ao processo demarcatório, devem ser buscados pelo Estado caminhos alternativos para o assentamento dessas comunidades, como, por exemplo, a aquisição de terras apropriadas para essa finalidade.
  5. Apelações e remessa ex officio improvidas.

Funai e Ministério Público apresentaram embargos de declaração, que restou julgado em 07 de junho de 2018. Não aberto ainda o prazo para apresentação de eventuais recursos.        

Assim, feitas todas as considerações, tenho que não cabe ao Plano Diretor do Munícipio de Araquari delimitar qualquer terra indígena, ou menciona-las junto ao ZRIA, posto que totalmente fora de sua atribuição, bem como por haver sentença e acórdãos julgados no sentido de que não restou configurada a tradicionalidade da ocupação, razão pela qual não há como aplicar o artigo 231 da CF/88 para o efeito de demarcar as terras, ocupadas por breve período e pela benevolência de terceiros.                                                                   

Assim, e como bem descrito no item 4 da ementa acima citada, transcrevo novamente: “Conquanto louváveis as políticas públicas para a demarcação de terras indígenas com o objetivo de regularizar a premente situação de inúmeras tribos em todo o país, dado o caráter histórico e social das relevantes questões envolvidas nesse tema, em muitos casos, em que não se configuram os requisitos constitucionais necessários ao processo demarcatório, devem ser buscados pelo Estado caminhos alternativos para o assentamento dessas comunidades, como, por exemplo, a aquisição de terras apropriadas para essa finalidade.”                                                                                    

Note-se, por derradeiro, que o Termo “ESTADO” se trata da União Federal, e não do município de Araquari, ente federativo este que não pode assumir a posição da União em demarcação de terras indígenas, por completa ausência de responsabilidade para tanto (pois só cabe à União, nos termos do artigo 231 da CF e após cumpridas as oito etapas do Decreto MJ nº 1.775/96, desde a identificação até o registro definitivo).

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